
Ivan Achcar
Ivan Achcar é chef, estrategista e mentor de negócios, com 25 anos de experiência transformando empresas e líderes nos setores de Gastronomia e Hospitalidade. Reconhecido por sua combinação de criatividade, disciplina e inovação, já capacitou milhares de profissionais e viabilizou a abertura e o crescimento de centenas de operações de sucesso.
Fundador e CEO do grupo EGG EDUCA, a primeira escola da América Latina 100% voltada à gestão de negócios de Gastronomia e Hotelaria, Ivan desenvolve programas de formação e capacitação que já impactaram mais de 10 mil alunos, além de milhares de empresas e redes de alimentação.
Hospitalidade não é serviço. Repito isso há anos, mas cada vez mais essa frase deixa de soar como provocação e se transforma em aviso.
Ser simpático não é hospitalidade. Cumprir tarefa não é hospitalidade. Sorrir, trazer o prato certo, atender dentro do prazo — tudo isso pode ser bom serviço, mas não basta. Serviço é obrigação. Hospitalidade é outra coisa. É o que fica quando você vai embora. É o rastro emocional que define se alguém vai lembrar de você ou esquecer no minuto seguinte.
Esse detalhe, que parecia filosófico, se tornou estratégico. A tecnologia já está invadindo territórios que jurávamos ser exclusivamente humanos. Em poucos anos, inteligências artificiais vão cortar cabelo, montar dietas, cozinhar, organizar agendas, editar vídeos, planejar campanhas, fazer atendimento vinte e quatro horas por dia — e, em muitos casos, farão tudo isso melhor do que nós.
Quando todo mundo consegue entregar o “como” e o “o quê”, só resta uma barreira verdadeira: como você faz alguém se sentir. E esse é o último território que não se copia em um clique.
Serviço é meio, hospitalidade é fim
O problema é que muita gente ainda confunde serviço com hospitalidade. Serviço é meio, hospitalidade é fim. Serviço é tarefa bem cumprida, checklist entregue. Hospitalidade é o efeito emocional que permanece.
É quando o cliente se sente visto, lembrado, respeitado, protegido. O garçom pode trazer o prato exatamente como pedido e, mesmo assim, deixar você invisível. A vendedora pode achar o tamanho certo e, ainda assim, tratar você como número. O médico pode acertar o diagnóstico e transformar a consulta num encontro frio. Do outro lado, um erro operacional tratado com a atitude certa pode se tornar o momento mais memorável da experiência.
Hospitalidade não é dom, nem sorte de personalidade. É disciplina. É técnica. É ensaio. É repetir o essencial sem parecer repetitivo, improvisar sem parecer amador. É criar uma matriz clara de conduta emocional que se traduz em gestos concretos.
Não um PowerPoint cheio de frases feitas, mas um código vivo que guia o encontro humano. Está nos detalhes: a água que chega antes do pedido, o nome usado naturalmente, a atenção que lê contexto — criança à mesa, idoso, pressa, celebração. São sinais pequenos, mas decisivos.
Desenhar encontros, não processos
Desenhar hospitalidade não é mapear telas. É desenhar encontros. O antes prepara a expectativa: o que vai acontecer, em quanto tempo, com qual padrão. O durante cria assinaturas: o gesto que só a sua casa tem, a frase que encerra o atendimento como um aperto de mão, o detalhe que vira símbolo. O depois constrói eco: não uma pesquisa fria pedindo nota, mas uma mensagem que prova que você se lembra de quem passou por você.
Esse fio, do pré ao pós, costura o que é visto e o que é invisível — e só funciona quando existe segurança psicológica. Porque sem ela, não há hospitalidade. O cliente precisa sentir que pode discordar sem ser tratado como problema. A equipe precisa saber que pode errar sem ser humilhada.
E isso não se aprende em palestra trimestral. Hospitalidade é ensaio. É treino de cena. É ajuste de frase, ritmo, respiração. É praticar recovery até virar reflexo: reconhecer, reparar, compensar na medida certa.
O cliente não quer justificativa longa; ele quer sentir que alguém assumiu a cena. É ensinar a equipe a decidir na ponta, com clareza até onde cada função pode ir sem pedir bênção. Quem precisa de permissão para ser humano, deixa de ser.
Hospitalidade é atitude diária
É curiosidade sem invasão, presença sem exibicionismo, humildade para corrigir sem defensiva. É cumprir promessas pequenas. “Eu retorno em quinze minutos.” Quinze minutos depois, você retorna. Mesmo que seja só para dizer: “Ainda não resolvi, volto em mais quinze.” Parece pouco, mas é tudo. Confiança é feita de pequenos depósitos regulares. A hospitalidade vive dos juros dessas entregas mínimas.
A tecnologia pode ser aliada, mas precisa servir ao pacto humano. Um chatbot pode resolver o básico, desde que use o tom certo e saiba sair de cena na hora certa. A inteligência artificial pode sugerir pratos ou produtos, desde que reflita o gosto do cliente e não apenas o estoque. Tecnologia hospitaleira é a que economiza tempo para sobrar atenção. A que esconde pessoas atrás de fluxos impessoais não é moderna, é hostil.
Muitos gestores ainda dizem: “não dá tempo.” A verdade é outra: ou você faz, ou você é feito. Hospitalidade não compete com eficiência; ela organiza. Quando a equipe conhece a matriz e ensaia os rituais, o atendimento flui com menos esforço.
O turnover cai porque trabalhar em um lugar onde as relações são cuidadas também cuida de quem trabalha. O cliente volta, não porque deu sorte com o atendente certo, mas porque a casa sustenta um padrão de humanidade. Padronização não é robotização — é garantir que o essencial aconteça, mesmo no improviso.
E quando tudo dá errado?
É aí que a hospitalidade começa. O pedido atrasa, a reserva some, a entrega chega errada. Não é justificativa que salva, é atitude. Reconhecer sem rodeios, agir de imediato, compensar proporcionalmente e fechar o ciclo. Recovery não é desconto automático, é conversa adulta. É acompanhar até o fim, para que a solução seja de fato solução.
Existe uma crença de que hospitalidade custa caro. Na verdade, o que custa caro é a sua ausência: mesas vazias, carrinhos abandonados, clientes que não voltam, colaboradores que desistem.
O investimento real é tempo de liderança no chão de operação, cinco minutos de coaching antes do turno, registrar e compartilhar momentos memoráveis. E medir o que importa: retorno em noventa dias, recomendações orgânicas, tempo entre o problema e o primeiro gesto de reparo. Métrica sem vínculo é distração.
Quer saber como começar amanhã?
Comece pelo nome e pelo próximo passo. Use o nome de forma natural na chegada e na despedida. Feche toda interação dizendo claramente o que vai acontecer depois. Escolha um micro-ritual de boas-vindas e repita até que vire assinatura da sua casa. Pode ser a água que chega antes do pedido, uma mensagem personalizada antes da chegada, uma playlist que muda com a hora do dia.
Treine sua equipe para reconhecer três estados emocionais básicos: pressa, dúvida e frustração. Dê a cada um uma resposta curta, clara e humana. Isso basta para que o resto flua.
E, no fim, tudo se resume a isso: quando inteligências artificiais forem melhores chefs, concierges, designers e planejadores do que nós, só restará uma vantagem impossível de copiar. A relação. E relação não nasce espontaneamente, não escala sem método. Relação é trabalho: de criação, de ensaio, de atitude. É técnica a serviço do humano.
Hospitalidade não é jeitinho. É estratégia. Estratégia que, quando repetida, vira cultura. Cultura que se transforma no “nós” que o cliente sente, mesmo sem conseguir explicar.
Serviço é obrigação. Hospitalidade é decisão. E é a última barreira que nos diferencia em um mundo onde tudo pode ser copiado, menos a forma como fazemos alguém se sentir.
Publicado em 07 de outubro de 2025.
Escrito por Ivan Achcar, Fundador e CEO do grupo EGG EDUCA.